Um porão de histórias

Ele nasceu no bairro de Botafogo e foi criado em uma favela na zona sul carioca, nos anos 60.  Sua infância se desenrolava num pequeno quintal dividido com tios e primos, mas seu lugar preferido era junto aos avós, uma casa no ponto mais alto do morro com um grande quintal nos fundos, com declives e uma bela vista para o bairro da Gávea, um cenário perfeito para suas aventuras e fantasias. 

No centro dessas lembranças, havia uma roseira especial. Plantada em frente à casa, ela era cercada por uma pequena vala de cimento, em círculo, que o avô construíra para protegê-la das formigas. Mas para ele, aquele detalhe não era só proteção; era um convite à imaginação. Ele arrancava folhas da própria roseira – algo que jamais deveria chegar ao conhecimento do avô – e as transformava em "barquinhos". As formigas eram os marinheiros, navegando naquele canal improvisado até o coração da roseira.

As brincadeiras se multiplicavam no quintal, mas graças aos declives, tinha uma que era mágica: inspirado por um filme que assistia na TV -Aventura Submarina - ele recriava o universo subaquático com engenhosidade de sobra. Uma garrafa plástica virava o cilindro de oxigênio; fios, os tubos de respiração; e um pregador de roupas, o bocal. Enquanto isso, ele imitava fielmente Mike Nelson, gesticulando como se estivesse explorando o fundo do mar, já que, obviamente, não podia falar "debaixo d’água".

Como não tinha televisão em sua casa, assistir TV pela janela da casa dos vizinhos de seus avós era uma experiência quase tão emocionante quanto as próprias brincadeiras. Havia uma regra clara: não esbarrar nos outros meninos e muito menos reclamar. Qualquer deslize resultava no fechamento da janela pelos donos da casa – uma sentença cruel que os mandava de volta para suas próprias casas, frustrados.

Mas o verdadeiro tesouro daquela casa estava escondido antes do quintal. No corredor lateral direito, ao final à esquerda, havia uma porta de madeira que guardava um mundo secreto: o porão. Lá dentro, um oceano de gibis e revistas esperava por ele, como uma cápsula do tempo. Seu avô, aparentemente amigo de um jornaleiro generoso, enchia o espaço com histórias e imagens.

Era uma coleção de sonhos em papel. Donald e Tio Patinhas, Pafúncio, Mutt e Jeff, Zorro (o da bala de prata), Cavaleiro Negro, Rock Lane e Durango Kid. Super-heróis como Super-Homem, Batman, Capitão América, Namor, Hulk e Thor dividiam espaço com gibis de guerra como Combate. E as revistas? Títulos como O Cruzeiro, Fatos e Fotos e Manchete traziam um mundo de histórias e curiosidades.

Ali começava uma paixão pela leitura que o levaria além. Depois dos gibis, vieram os livros de bolso, cheios de romance, espionagem e faroeste. E mais tarde, ele se aventuraria por clássicos da literatura brasileira e mundial: José de Alencar, Machado de Assis, Aluísio Azevedo, Edgar Allan Poe, Ernest Hemingway, Truman Capote, entre outros.

Sentado naquele chão, cada página era uma porta aberta para novos universos. Cada história, um convite para sonhar. E tudo começou ali, naquele quintal de infância, entre barcos de formigas, mergulhos imaginários e o perfume das revistas guardadas no porão.

Esse conjunto de figuras e letras impulsionaria seus sonhos, para um dia escrever suas histórias e estórias.

Autor do texto: Paulo Nascimento.


Uma pausa para os comerciais...

Sou afiliado Magalu, Mercado Livre e Shopee. Vamos fazer boas compras juntos? Fale comigo:

(21)98519-7011

Parte das vendas é direcionada para a ONG Joinha Mundo Azul.  












Comentários

Postar um comentário

Seus comentários e compartilhamento são sempre bem-vindos.

Postagens mais visitadas deste blog

Apelidos

Equipamentos melindrosos (republicado)

O inusitado final do ano de 1976